Entrevistas





Aprender para quê?

Educador diz que a escola não leva em consideração o desejo de aprender e está longe de responder às perguntas das crianças

PALOMA COTES 


Rubem Alves é um crítico do sistema de ensino brasileiro. Mas suas opiniões não carregam rancor contra quem quer que seja. Para o educador e professor emérito da Unicamp, o problema da escola é que ela não leva em consideração o desejo de aprender das crianças e está respondendo às perguntas que somente os adultos acham importantes. ''Crianças fazem perguntas incríveis'', avisa. Para Alves, questionamentos como ''quem inventou as palavras?'', ou ''gato podia se chamar cavalo e cavalo se chamar gato?'', são a prova viva do interesse que todo garoto tem por conhecer o mundo. Mas essa curiosidade investigativa, que leva o aluno a estudar, está longe dos programas escolares. ''Existe uma expressão terrível na escola: grade curricular. Deve ter sido cunhada por um carcereiro'', diz. Polêmico, propõe a extinção do vestibular e sugere que o processo seletivo para as universidades aconteça através de um sorteio. Prestes a lançar mais um livro (Presente, Frases, Idéias e Sensações..., Editora Papirus), espera com a nova publicação levar ao público seus pensamentos sobre o amor e a vida. ''Nem que a obra seja lida na privada'', provoca.

ÉPOCA - O senhor afirma que a maioria das escolas é chata? Por quê?
Rubem Alves - Não é de hoje que a escola é chata. Ela sempre foi assim e isso acontece porque as coisas são impostas às crianças. A prova de que uma criança gosta de ir à escola é se, na hora do recreio, ela está conversando com os amigos sobre as coisas que a professora ensinou. E não se vê isso. Então fica evidente que elas gostam da escola por causa da sociabilidade, dos amiguinhos, por causa do recreio. Mas elas não estão interessadas naquilo que se ensina na escola. Você acha que um adolescente, vivendo na periferia, pode ter interesse em dígrafos (grupo de duas letras usadas para representar um único fonema)? Não tem interesse nenhum. Existe outra expressão terrível: grade curricular. Já brinquei que deve ter sido cunhada por um carcereiro. A criança está vivenciando problemas que não têm nada a ver com os assuntos das aulas. Mas os professores apenas se justificam, dizendo que o programa afirma que é aquilo que se deve ensinar e acabou. Eu diria que na escola tradicional não se leva em consideração o desejo de aprender da criança. Elas expressam isso através dos questionamentos que fazem.

ÉPOCA - Quais questionamentos?
Alves -
 Se você reparar, as crianças fazem perguntas incríveis para conhecer melhor o mundo. Uma delas é: ''Quem inventou as palavras?''. Há outras boas: ''Gato podia chamar cavalo e cavalo chamar gato? Por que canteiro chama canteiro? Devia chamar planteiro, que é onde ficam as plantas! Por que a chuva cai aos pinguinhos e não toda de uma vez? Se na Arca de Noé havia leões, por que eles não comeram os cabritos?'' E por aí vai. Elas estão fazendo perguntas interessantes, mas as respostas não se encontram nos programas.

ÉPOCA - Por que o modelo de educação existe há tanto tempo?
Alves -
 Porque existe certa presunção da nossa parte, da parte dos adultos, de que as crianças não sabem nada, de que elas são vazias. E de que nós é que temos o saber.Também achamos que só nós podemos determinar o que elas têm de aprender. Isso é o que Paulo Freire denominou de educação bancária. Você vai sempre fazendo depósitos na criança. Houve um diretor de um abrigo para crianças e adolescentes em Varsóvia chamado Janusz Korczak. No abrigo dele, eram os alunos que exerciam a disciplina. E Korczak costumava dizer: ''Vocês, professores, me dizem que é muito difícil ensinar às crianças. Estou de acordo. E vocês dizem também que é muito difícil descer às crianças. Estou em desacordo. O que é muito difícil é subir ao nível de sensibilidade e de curiosidade das crianças, ficar na ponta dos pés, falar brandamente para não machucá-las''. É por isso que a escola não muda. Porque as pessoas não estão preparadas para subir ao nível das crianças.

ÉPOCA - Há salvação para esse modelo de ensino?
Alves -
 Eu passei por esse modelo de escola. Outros amigos meus passaram e acho que não ficamos tão atrapalhados assim (risos). Aliás, tenho memórias muito interessantes. A escola tinha muitas coisas boas e, a despeito de tudo, a gente aprende. Mas é uma perda de tempo muito grande. As escolas estão cheias de pessoas maravilhosas, mas é tanta gente que sofre, é reprovada e repete de ano que não acredito mais nesse modelo. É preciso esquecer as maneiras tradicionais de fazer escola. Estamos tão acostumados com a idéia de que a escola tem corredor, sala, campainha, que podemos até pensar em melhorar isso, mas não pensamos que a estrutura pode ser diferente.

ÉPOCA - Então, por que as escolas não mudam?
Alves -
 Por uma porção de fatores. Um deles é a inércia. As pessoas se acostumam a fazer sempre a mesma coisa porque aí elas não têm trabalho. Se você tiver uma escola mais solta, nunca sabe direito o que vai acontecer, você não pode preparar a lição porque sempre o aluno pode fazer uma pergunta que você não sabe. Na escola tradicional, o professor é aquele que sabe a matéria e vai para a sala de aula acreditando nisso. Mas hoje as matérias estão todas na internet. Hoje, a função do professor é ensinar o aluno a pensar e a descobrir onde ele pode encontrar a resposta para as perguntas que ele tem. Essa é uma função nova e completamente diferente do professor. Os que estão acostumados a preparar a aula até costumam usar as fichas do ano retrasado. Dificilmente vão mudar.


ÉPOCA - Como convencer um professor a se atualizar?
Alves -
 Acho que muitos desses profissionais estão acordando para isso simplesmente porque não estão mais agüentando o tédio. Tenho dó dos professores. Às vezes os vejo como esses guias turísticos que vão todo dia ao mesmo monumento, levando um grupo diferente e repetindo as mesmas coisas. Isso é muito chato. Nenhuma pessoa merece viver uma vida desse jeito.

ÉPOCA - O senhor afirma, como educador, que a escola precisa dar aos alunos ferramentas para entender o mundo. O que isso quer dizer na prática?

Alves -
 Simplificando a minha teoria, digo que o corpo carrega duas caixas: uma de ferramentas e a outra de brinquedos. O que são ferramentas? São todos os objetos usados para fazer alguma coisa. Então, ferramentas não são fins em si mesmos. E elas são importantes porque nos dão poder. Um alicate é muito mais poderoso que meu dedo. E a primeira coisa que a escola tem de perguntar é: isso que eu estou ensinando é ferramenta para quê? Segundo: o aluno quer fazer isso? Porque não adianta você dar uma ferramenta para a pessoa, um martelo e um prego, se ela quer ser pintora. A ferramenta só tem sentido se tiver uma demanda, se eu estou querendo fazer alguma coisa. Se eu estiver interessado em plantar um jardim, vou aprender sobre as plantas, esterco e fertilizantes. O professor tem de perguntar a si mesmo isso. Se não for ferramenta, ela não vai ser guardada.


Fonte: Revista Época

http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT879723-1666-3,00.html






                      https://www.youtube.com/watch?v=qjyNv42g2XU

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                            EMÍLIA FERREIRO. foto: Rogério Albuquerque

Emilia Ferreiro: ''O momento atual é interessante porque põe a escola em crise''
Segundo Emilia Ferreiro, as mudanças tecnológicas e sociais trouxeram maiores exigências ao trabalho de alfabetização.

EMÍLIA FERREIRO  "As primeiras tentativas já não são vistas como rabiscos, mas uma espécie de escrita"
Leia abaixo a entrevista concedida pela psicolinguista argentina Emilia Ferreiro a NOVA ESCOLA em outubro de 2006. Emilia esteve em São Paulo para participar da 1ª Semana Victor Civita de Educação.
Aqui ela avalia as mudanças ocorridas nas práticas de leitura e escrita nas últimas décadas, como consequência sobretudo das inovações tecnológicas no campo da informática.

Como se alteraram as concepções de alfabetização nestes quase 30 anos desde que foi publicado seu livro Psicogênese da Língua Escrita?EMILIA FERREIRO  Mudou a concepção social do alfabetizado. O que se requer de uma pessoa alfabetizada hoje em dia é bem diferente do que em meados do século 20. Não é mais suficiente saber assinar o nome e conseguir ler instruções simples, como era na época da Segunda Guerra Mundial. Do ponto de vista dos usos sociais da escrita no mundo contemporâneo, temos uma complexidade cada vez maior. As circunstâncias de uso de leitura se tornaram muito frequentes e variadas. O que não mudou é o tipo de esforço cognitivo exigido por esse sistema de marcas que a sociedade apresenta em espaços muito variados e a instituição escolar é obrigada a transmitir. O problema da relação entre essas marcas escritas e a língua oral continua sendo um mistério total nos primeiros momentos da alfabetização.

E quanto ao ensino? 
EMILIA  Uma mudança positiva é que já não se consideram as produções das crianças de 4 ou 5 anos como tentativas erradas ou rabiscos, a exemplo do que se dizia antigamente, mas sim como uma espécie de escrita. Parece-me que agora há uma atitude positiva, como sempre houve em relação aos primeiros desenhos. Outro avanço tem a ver com não se assustar quando crianças pequenas querem escrever. Antes elas eram desestimuladas porque se achava que não "estavam na idade". Também se reconhece a importância de ler em voz alta para elas desde muito cedo. Já se sabe que existe uma diferença grande entre ler e contar uma história. Há um pequeno avanço - não tanto quanto deveria haver - na prática de ler textos distintos e na valorização da biblioteca de sala de aula. A simples atividade de ordenar os livros com as crianças, usando critérios múltiplos, já as aproxima muito da leitura e enriquece a escrita.

As coisas estão melhorando, então?
EMILIA  Evidentemente estou dando uma visão muito positiva. Sei que há um grande número de professores tradicionais que não mudaram nada e continuam usando cartilhas dos anos 1920 e 1930. A instituição escolar é muito conservadora, muda com dificuldade. O importante é ter consciência de que ela não está definida para sempre. O que ocorre fora a afeta e ela não pode fechar os olhos. Este é um momento interessante pelo avanço tecnológico, que põe a escola um pouco em crise. Existem coisas que poderiam ter constituído avanço, porém foram muito mal compreendidas, como acreditar que os níveis de conceitualização da leitura pela criança mudam por si mesmas e que não é preciso ensinar, apenas deixar que ela construa seu conhecimento sozinha.

As novas tecnologias trouxeram mudanças importantes?

EMILIA  Sim, se aceitarmos que o conceito de alfabetização não é fixo, mas uma construção histórica que muda conforme se alteram as exigências sociais e as tecnologias de produção de texto. Os novos meios entram não somente na vida profissional, mas no cotidiano pessoal. Permitem ler e produzir textos e também fazê-los circular de maneira absolutamente inédita. No ano passado a Western Union, empresa que tinha o monopólio dos telegramas nos Estados Unidos, anunciou em sua página da internet que estava extinguindo esse serviço. Os telegramas tiveram muita importância no século 20, anunciando contratações, demissões, nascimentos e mortes - agora simplesmente não existem mais. Vemos então a desaparição de certos gêneros e a aparição de outros. O texto de email, por exemplo, não tem regras definidas. Não é como uma carta formal: podemos dizer se ela está bem escrita ou não, porque há um paradigma claro para isso. Quanto ao correio eletrônico, não. Algumas pessoas começam tradicionalmente, escrevendo "querido fulano", dois pontos, e continuam abaixo. Como se fosse uma carta formal. Muitos começam com "olá" ou mesmo sem nenhuma introdução - vai-se diretamente para o texto da mensagem. Tampouco se sabe como terminar. Alguns põem o nome; outros não, porque já está escrito no cabeçalho. É uma espécie de escrita selvagem. Não está normatizada e se prolifera. É difícil dizer se acabará constituindo um estilo.


O que significa, então, estar alfabetizado hoje?

Emilia Ferreiro: É poder transitar com eficiência e sem temor numa intrincada trama de práticas sociais ligadas à escrita. Ou seja, trata-se de produzir textos nos suportes que a cultura define como adequados para as diferentes práticas, interpretar textos de variados graus de dificuldade em virtude de propósitos igualmente variados, buscar e obter diversos tipos de dados em papel ou tela e também, não se pode esquecer, apreciar a beleza e a inteligência de um certo modo de composição, de um certo ordenamento peculiar das palavras que encerra a beleza da obra literária. Se algo parecido com isso é estar alfabetizado hoje em dia, fica claro por que tem sido tão difícil. Não é uma tarefa para se cumprir em um ano, mas ao longo da escolaridade. Quanto mais cedo começar, melhor.


E possível dizer quando termina?

EMILIA  Difícil... Eu tenho duas classes de pós-graduação e continuo alfabetizando meus alunos, porque é a primeira vez que enfrentam um certo tipo de texto que apenas a literatura especializada produz e é difícil de ler. Além disso, eles têm de escrever um objeto denominado tese, que também não é fácil de escrever, primeiro porque é algo que se produz apenas uma ou duas vezes na vida e nunca mais; segundo porque é uma combinação de texto descritivo e argumentativo, com características próprias. Ler fazendo uma pesquisa na internet é um modo particular de ler, tirando informações e tomando decisões rapidamente. Os tempos de utilização da internet podem ser prolongados, mas o mais comum é que se faça um uso ágil. Não é o mesmo que entrar numa biblioteca. A quantidade de erros de ortografia que se registram nos emails é enorme. Isso porque a utilização é muito rápida e não costuma exigir correção. Escreve-se e manda-se. Se for necessário dizer mais alguma coisa, manda-se outro. No Brasil, os adolescentes criaram todo um código para se comunicar pela internet. Isso acontece em toda parte; é um fenômeno muito generalizado. Uma vez mais, não sabemos se é uma tendência importante ou se passará sem deixar marcas. O certo é que eles estão fazendo com a escrita um jogo muito divertido. É uma transgressão, mas para isso é preciso conhecer alguma coisa da escrita. Porque afinal alguém tem que receber essa mensagem e ler, ou seja, é preciso dar pistas para ser entendido. Um dado curioso é que o uso generalizado da letra K nesse tipo de mensagem parece quase obrigatório. Acontece também em espanhol, no qual o K é tão raro quanto em português. E também é um recurso das crianças nas fases iniciais da alfabetização. A letra K sempre tem o mesmo som, enquanto a letra C não é confiável, tem muitos sons diferentes. Então as crianças ficam mais seguras usando o K.

O e-mail incentiva a prática da escrita?
EMILIA  Acho que sim. Talvez não se leiam tantos livros atualmente, mas há mais ocasiões de praticar a leitura e a escrita do que antes. Quando são feitas pesquisas acerca do comportamento leitor de uma população, a pergunta inevitável é: "Quantos livros leu no último ano?" Os resultados na América Latina costumam ser lamentáveis, mas não se pode tirar imediatamente a conclusão de que, no geral, se lê menos. Certamente a leitura de um livro e do resultado de uma partida de futebol numa página da web não são equivalentes em termos de esforço leitor; são práticas muito diferentes.


Isso pode levar a um maior interesse pela leitura em geral, que acabe se refletindo na leitura de livros?
EMILIA  Talvez, mas seguramente não há uma relação de causa e efeito. Na medida em que alguém pratica mais, torna-se mais competente e quem sabe possa atrever-se a outros gêneros, suportes e obras frente aos quais antes tinha uma atitude de rechaço ou temor. O que é importante distinguir é que sob o verbo ler estamos agrupando muitos tipos de leitura e o mesmo vale para o verbo escrever. Pelo lado de quem lê ou escreve, há diversidade de propósitos, de circunstâncias, de tempo de organização. E pelo lado daquilo que se lê e se escreve - ou seja, os gêneros - também há diversidade e deve-se incluir agora os emails, os chats etc. Por isso é tão ambíguo o discurso sobre a introdução das tecnologias no âmbito escolar. O professor não sabe bem o que fazer com ele. Então inventou-se a sala de informática, freqüentada apenas em horários determinados. É uma maneira de não incluir o computador na atividade cotidiana. A introdução dos computadores na escola é mais uma manobra econômica do que uma necessidade pedagógica sentida como tal.
Muitas escolas têm computadores não conectados à internet. Costuma-se dizer que não servem para nada.EMILIA  Ao contrário, são muito úteis. A escola sempre trabalhou mal a revisão de texto e os alunos sempre odiaram fazê-la, porque num texto à mão as correções deixam um aspecto horrível. E é preciso passar a limpo, voltar a escrever tudo. Com um processador de texto, a revisão se torna um jogo: experimentamos suprimir trechos ou mudá-los de lugar, com a possibilidade de desfazer se não ficar bom. Depois de muitíssimas intervenções, o que temos na tela é um texto limpo, pronto para ser impresso. A revisão é fundamental para que as crianças assumam a responsabilidade pela correção e clareza do que escrevem. E com o processador de texto elas podem trabalhar também com uma coisa que nunca trabalharam, o formato: largura das linhas, mudanças tipográficas, sublinhamento, manipulação do tamanho das letras etc.


Os computadores podem ser mais um estímulo para a alfabetização?
EMILIA  Nos lugares em que as crianças têm computadores em casa, o fato de haver na escola não fascina muito, embora elas possam descobrir novos usos ao trabalhar em grupos na sala de aula. Mas nas camadas mais desfavorecidas da população os computadores possuem mais atrativos, porque todos sabem que é um objeto muito valorizado socialmente e tem múltiplos usos possíveis. O problema é que os computadores necessitam de suporte técnico e, quando são instalados na escola, ninguém se lembra disso. Portanto, muitas vezes as máquinas estão lá, só que inutilizadas.

Fala, Mestre! Palavra de quem entende de Educação  Revista Nova Escola - http://revistaescola.abril.com.br,

Novas Tecnologias por Emilia Ferrero

                        FONTE: https://www.youtube.com/watch?v=6vZlKa9QlkA
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                       Entrevista Celso Antunes



Autor de mais de 180 livros didáticos, paradidáticos e pedagógicos, Celso Antunes, mestre em ciências humanas e especialista em inteligência e cognição, mostra na sua mais recente publicação, Antigüidades Modernas, a importância de o professor repensar e qualificar o seu cotidiano pedagógico. Baseado em diversas crônicas, Antunes abre espaço para que o professor faça uma análise sobre temas tradicionais, antigos e modernos da educação.Atualmente é coordenador geral de ensino de graduação das faculdades Sant’Anna, diretor do colégio Sant’Anna Global e professor da Universidade Sênior e revela, em entrevista exclusiva à revista Profissão Mestre, porque as aulas de alguns professores ficam para sempre na memória dos alunos.


Profissão Mestre – Qual é a importância de ministrar aulas com emoção? Por que é necessário alcançar a mente do aluno pelo caminho do coração?

Celso Antunes – O professor não deve, necessariamente, estar emocionado. Não se trata, como se poderia a primeira vista pensar, que ele deve ser um ator onde externa sentimentos de aguda emoção. Se ele os externar, sem dúvida ajuda, mas não é nesse aspecto que o educar, através da emoção, se ressalta. O que se busca realçar é que toda aprendizagem significativa necessita, fundamentalmente, de cinco componentes na ação cognitiva do aluno, e um desses componentes é a emoção. Então a emoção, como os outros quarto paradigmas, é um dos fatores cruciais da aprendizagem. Isso não é um referencial desejável, é um componente essencial do processo de aprendizagem da criança, do adolescente e do ser humano de maneira geral.

PM – Além da emoção, quais são os outros componentes do processo de aprendizagem?
CA – A memória, indiscutivelmente. O professor deve conhecer estratégias para poder trabalhar a memória do aluno, claro que não uma memória mecânica, repetitiva, mas uma memória onde o aluno contextualiza, onde o aluno associe saberes novos aos que naturalmente ele possui. Além da memória, a atenção. Ele deve saber trabalhar a atenção do aluno, descobrir fórmulas para captá-la. E por fim a motivação desse aluno e fundamentalmente a linguagem. Então, esses quatro mais a emoção são componentes estruturais do processo de aprendizagem.

PM – O que é uma boa aula?
CA – Uma boa aula é aquela que contempla a intensidade com que esses elementos sejam trabalhados. Fazendo uma comparação com o quadro educativo e o quadro médico, o que seria um paciente com uma boa saúde? Seria um paciente que realmente não apresentaria, em nenhum aspecto da sua condição biológica, qualquer tipo de deficiência. Uma boa aula é aquela que, no seu aspecto cognitivo, não apresenta nenhuma deficiência desses cinco componentes.

PM – Por que as aulas de alguns professores são mais sedutoras do que outras?
CA – Há uma infinidades de razões, mas em linhas gerais, o que tenho observado é que a estratégia através da qual a aula é ministrada é um componente muito importante. A maior parte dos professores brasileiros, infelizmente, confunde aula com aula expositiva, e a aula expositiva é apenas uma maneira de dar aula. Sabendo ser colocada pode ser excelente, mas é óbvio que se o professor conhece apenas essas estratégias e em todas as circunstâncias a utiliza, é impossível que ele possa escapar da monotonia. É como o mecânico que precisa conhecer diferentes ferramentas porque a natureza do trabalho dele vai exigir em situações diferentes a oportunidade de uso diversificado e isso também ocorre com o professor. A ferramenta do professor é a aula, mas se ele tem apenas a aula expositiva como ferramenta muitas vezes isso é fator de monotonia, por isso às vezes o aluno tem um grau de motivação na primeira aula do dia que não apresenta no final do dia e assim por diante, porque há uma repetitividade de conceito nesse processo.

PM – E como o professor pode tornar a aula mais sedutora?
CA – Uma das outras formas de dar aula que ele poderá desenvolver, além da aula expositiva, é trabalhar projetos. Por exemplo, os projetos na verdade parte de um desafio, de situações problemas e os alunos são orientados a buscar caminhos e respostas, interagindo entre si nessa busca, que naturalmente é mediada pelo professor. Outra alternativa são os chamados jogos operatórios onde a situação problema é colocada de uma maneira similar a um desafio, mas que envolve diferentes estratégias para esse alcance. Quando o professor é um arquiteto de desafios , quando ele é um propositor de problemas. Quando ele leva o aluno a se perguntar, a se educar, a dizer não a si mesmo, geralmente ele é um professor muito bem aceito e a aula acaba sendo uma daquelas aulas memoráveis que efetivamente seduz o aluno.

PM – Em um dos seus artigos o senhor cita o jogo de palavras. Como o professor pode utilizar esse método em sala de aula?
CA – De uma maneira muito simplificada, se eu disser a você: “Amanhã eu não vou passear porque vai chover”, eu estou concluindo essa afirmação sem propor nenhum desafio, ela é apenas uma informação que você assimilará, mas se eu alterno a ordem das palavras e digo algo como “Passear amanhã chover se vou não”, para que você, juntamente com seus colegas estruture e dê ordem, portanto dê sentido a essas palavras aparentemente soltas mas que integram um todo, você está se reperguntando, você está desafiando. Então a essência do jogo de palavras é a proposição de desafios, de questões que levam o aluno a construir soluções e respostas. Ele dispõe de palavras, mais ou menos, como quem têm peças de um quebra-cabeça não devidamente montado, só que essas peças são naturalmente palavras que vão compor a sentença, mas que ele construirá.

PM – Então, nesse tipo de aula, o professor é um facilitador…
CA – O professor verdadeiramente educador é sempre um mediador e nesse tipo de aula ele é efetivamente o mediador. Ele levou a situação problema, instrumentalizou os alunos para buscarem a resposta. Esses alunos sabem de quais instrumentos dispõe. Mas realmente ele está atuando como um desafiador, como um verdadeiro arquiteto de desafios. Nesse contexto a aula acaba se tornando naturalmente mais atraente, mais interessante.

PM – O professor busca ministrar aulas menos cansativas para os alunos. E como ele pode fazer para não cansar-se também?
CA – Na verdade, embora o objetivo de se trabalhar em projetos, trabalhar com jogos operatórios seja o aluno e o ensino eficiente, inegavelmente o maior beneficiário disso tudo é o professor. Em primeiro lugar porque, na medida em que ele é um propositor de desafios, diminui muito a carga verbalizadora dele. Não vai em cinco aulas fazer cinco discursos. Em segundo lugar, na medida em que ele dispôs aquele aluno num esquema de motivação, de interesse, de participação, ele não tem aquele desgaste de cobrar uma atenção, de impor uma rigidez e nem perceber, no desânimo do aluno, quase que um convite ao seu tédio também. O professor que trabalha assim chegará à noite cansado tão somente pelas horas que ficou em pé, mas não existe aquele cansaço de uma irritabilidade provocada pela tentativa de construir a força uma tensão que espontaneamente não se tem.
PM – O professor deve apoiar-se naquelas lembranças do passado, de quando ele era aluno, para dar aulas mais contagiantes?
CA – Não deve. Até creio que é uma rotina mais ou menos comum, mas não deve. Eu respondo com uma metáfora: se você hoje, com qualquer problema de natureza biológica, qualquer doença, procura um médico e ele diz “olha eu vou tratar você como o meu avô médico me tratou”, você sai correndo desse consultório porque a medicina evoluiu muito, a farmacologia teve um progresso absolutamente espetacular. Na educação, de forma alguma é diferente. O que se pensava sobre memória, o que se pensava sobre atenção, aula e motivação há 20, 30 anos é muito diferente do que se pensa hoje, então é óbvio que se ele teve um professor extremamente talentoso, que se emocionava, assumir as qualidades dessa pessoa, com o que hoje se sabe, ele estaria fazendo a composição ideal. Voltando a metáfora, você ter no médico de hoje a paixão, o entusiasmo, o interesse por você, do médico de antigamente mas com a tecnologia da medicina de agora, aí sim seria ideal. Mas aquela cópia literal seria passar por cima de tudo quanto de novo se descobriu.

PM – O que nunca vai deixar de ser antigo na sala de aula?
CA – Nunca será antigo o professor não responder o que o aluno pode por si mesmo descobrir. Isso sempre será uma estratégia extremamente significativa. O professor nunca pode pensar-se assassino da curiosidade respondendo aquilo que o aluno pode sozinho descobrir, mas também, ao lado disso, nunca será antigo numa sala de aula o entusiasmo, paixão pelo que se faz, percepção do progresso do aluno e entusiasmo por esse progresso. Isso nunca envelhecerá, indiscutivelmente.

PM – As lembranças da escola influenciam o aluno na vida adulta?
CA – Ele carrega essas lembranças de uma maneira muito forte e mesmo quando pensa que não está as carregando, às vezes na maneira como ele segura uma caneta, como se dirige aos colegas, ele pode não ter consciência da lembrança, mas por detrás desses atos sempre está um professor, está uma aula, está um texto que ele leu. As marcas e as lembranças da escola são extremamente fortes e poucas vezes temos plena consciência disso mas, incontestavelmente, esses professores estão sempre atrás daquilo que fazemos. Portanto, negá-la é como você negar a importância da memória na aprendizagem ou negar a importância da linguagem, ou mesmo da motivação, ou ainda da atenção.

PM – Muito se discute a influência do professor sobre o aluno. E a influência do aluno sobre o professor?
CA – Esse é um dos campos mais novos da educação. Um pensador chileno, que está realmente em evidência, Maturana, sempre dizia que havia referências e cuidados com respeito a influência do professor sobre o aluno, mas que na verdade, seres humanos são interdependentes, e da mesma maneira como num conceito, eu diria, até ecológico, que o solo depende da planta mas a planta também depende do solo. É muito difícil perceber que possa existir um e outro sem interação. Um modifica o outro, e isso é absolutamente verdadeiro em relação ao aluno para o professor. Isso não significa dizer que essa imagem esteja consciente, mas é óbvio que, na maneira como somos, aquele professor que evolui o faz por forças das marcas e dos registros daquele envolvimento que ele teve com os alunos, e essa relação hoje é muito forte, muito recíproca e não é à toa que Maturana é um biólogo, porque ele tirou esse conceito da própria biologia, onde no ecossistema, A depende de B e B depende de A. E o próprio Paulo Freire já dizia isso também. É uma troca.

PM – Quais são as principais barreiras no processo do aprendizado?
CA – A principal barreira no processo de aprendizagem é o professor ainda acreditar-se proprietário de um saber, cuja finalidade é transmitir aos alunos, esquecendo de identificar que esse saber se banalizou, que hoje é o encontro na Internet, que hoje eu vivo num mundo onde há múltiplos canais de televisão. Um material escolar, de maneira geral, é muito bem formado, então aquele professor repetidor de saberes, tem para cada aula aquele tema e aquela pílula, e realmente acaba sendo um professor muito pouco sedutor. Portanto ele está impondo uma barreira imensa na aprendizagem, porque está indo na contramão daquilo que realmente o aluno precisa para crescer.

PM – Para que o aluno realmente aprenda, o senhor afirma que é necessário que ele tenha liberdade interna. O que quer dizer?
CA – Ele é o agende essencial no processo de construção do seu saber. O saber não é algo que venha de fora, a aprendizagem se constrói com aquilo que eu sei e com aquilo que é colocado em relação ao meu ambiente. Então, na verdade, essa liberdade é no sentido de fazer com que o saber que o professor transmite, não pode pretender que seja o saber que o aluno adquire. Aquele saber se transforma com os saberes que o aluno têm, então, isso significa a liberdade. Cada aprendente precisa ser livre para aprender, porque ele é o agente construtor da sua própria maneira de aprender e dos próprios saberes que constrói.

PM – De que forma os professores podem despertar a consciência de liberdade nos alunos, como o senhor cita no livro Antigüidades Modernas, ensiná-los a pensar seus próprios pensamentos?
CA – Sendo um professor interrogador, desafiador. Um professor que se negue a assassinar a curiosidade do aluno apresentando-lhe uma resposta pronta. Em outras palavras, um professor onde a maior parte das suas interlocuções termine com pontos de interrogação e não com pontos de exclamação. Não adianta eu lançar o desafio se eu não mobilizo recursos para que o aluno possa caminhar para o desafio. Então, eu preciso ser um levantador de questões, realmente trazer muitos pontos de interrogações, mas mostrar caminhos para fazê-los pontos de exclamação.

* Revista Profissão Mestre

http://www.inclusive.org.br/?p=14052




                                       Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=0KPYqdgArAg



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“A criança é um grande pesquisador.”

“Se a criança é levada a buscar seu material, a fazer sua elaboração, a se expressar argumentando, a buscar fundamentar o que diz, a fazer uma crítica ao que vê e lê, ela vai amanhecendo como sujeito capaz de uma proposta própria.”


Não tente se vangloriar dos méritos de sua aula expositiva diante do educador Pedro Demo. Ele é categórico: não há educação nenhuma em assistir a aulas, tomar notas e ser avaliado no final do bimestre. A isso ele chama ora de instrução, ora de transmissão de conhecimento. Pior: para instruir, os professores seriam dispensáveis. A eletrônica cumpriria esse papel sem maiores problemas.

Defensor da educação reconstrutiva, Pedro Demo sustenta que o “nível educacional se atinge quando aparece um sujeito capaz de propor, de questionar”. Para despertar esse espírito na criança, ele receita muita pesquisa e incentivo à elaboração própria de cada aluno. Nesse cenário, a aula tem papel coadjuvante. Indispensável mesmo só é a orientação e o acompanhamento atento do professor.

Ele não acredita, porém, ser preciso insurgir-se contra a aula ou o modelo instrucionista. Sua morte está anunciada pela ascensão das novas tecnologias na educação. E prevê: “Vai ser muito difícil no futuro fazermos qualquer proposta educacional que não seja em parte virtual.” Mas não serão as novas tecnologias que vão salvar a pátria. Novamente, o grande desafio será inserir pesquisa e elaboração própria em um espaço de aprendizagem virtual.

Antes de embarcar para o Chile, onde desenvolve um trabalho na Universidade Educares, Pedro Demo concedeu a seguinte entrevista.

A primeira coisa que chama a atenção na educação reconstrutiva é o próprio nome. Por que não construtivismo simplesmente?

Pedro Demo - Eu guardo um profundo respeito pela proposta piagetiana chamada construtivismo. Mas eu prefiro o termo reconstrutivismo, porque é culturalmente mais plantado. Normalmente, a gente não produz conhecimento totalmente novo, no sentido de uma construção nova. Nós partimos do que já está construído, do que já está disponível, do conhecimento que está aí diante de nós e o refazemos, reelaboramos. Eu penso que o termo reconstrução é muito mais realista, só isso.

O pilar desse conceito é a importância da pesquisa no processo educacional, independentemente do nível de ensino. Como ela pode ser incorporada nos níveis mais elementares? 

Pedro Demo - Primeiro, é preciso distinguir a pesquisa como princípio científico e a pesquisa como princípio educativo. Nós estamos trabalhando a pesquisa principalmente como pedagogia, como modo de educar, e não apenas como construção técnica do conhecimento. Bem, se nós aceitamos isso, então a pesquisa indica a necessidade da educação ser questionadora, do indivíduo saber pensar. É a noção do sujeito autônomo que se emancipa através de sua consciência crítica e da capacidade de fazer propostas próprias. Isso tudo tem por trás a idéia da reconstrução, mas também agrega todo o patrimônio de Paulo Freire e da “politicidade”, porque nós estamos na educação formando o sujeito capaz de ter história própria, e não história copiada, reproduzida, na sombra dos outros, parasitária. Uma história que permita ao sujeito participar da sociedade.

A pesquisa supõe uma reelaboração do conhecimento, ou seja, deve vir acompanhada de um processo de apreensão do conhecimento. Como a educação reconstrutiva concilia pesquisa e ensino?

Pedro Demo - Vamos colocar de outra maneira: você precisa de informação e de formação. Você não aprende sem vasculhar o que já está disponível. Mas a educação não é propriamente isso. Isso é meramente um processo informativo que pode ser feito pela eletrônica. Nem é preciso professor para meramente transmitir conhecimento. Mas o professor é absolutamente necessário para o processo reconstrutivo, como orientador, avaliador do aluno. A perspectiva muda bastante. O que nós estamos acostumados a ver no dia-a-dia é a proposta instrucionista, baseada no ensino, na instrução, no treinamento. Isso não é educação. Também é importante, também faz parte, mas o nível educativo se atinge realmente quando aparece um sujeito capaz de propor, de questionar. Precisamos de pesquisa e elaboração própria. São dois conceitos nos quais eu insisto bastante.

Mas no campo das práticas pedagógicas, como a pesquisa pode ser inserida no ensino fundamental, por exemplo?

Pedro Demo - Primeiro, fazendo recuar a aula, porque a aula é bem o signo da instrução, sobretudo a aula meramente expositiva, em que as crianças são obrigadas a assistir, tomar notas e fazer provas. Se você olhar bem, aí não ocorre nenhuma educação. Agora, se a criança também é levada a buscar seu material, a fazer sua elaboração, a se expressar argumentando, a buscar fundamentar o que diz, a fazer uma crítica ao que vê e lê, aí ela vai amanhecendo como sujeito capaz de ter uma proposta própria. Isso é o que queria, na verdade, Piaget. Ele sempre disse que a criança é um grande pesquisador: é curiosa, quer ver as coisas, quebra os brinquedos para ver o que tem lá dentro, pergunta muito. A escola é que, não sabendo disso, abafa essa vontade de conhecer que a criança tem.

O senhor afirma que a curiosidade infantil deve ser estimulada, instigada incessantemente pelo educador. Como isso deve ser feito?

Pedro Demo - Esta é uma das grandes competências do educador, saber aproveitar essa potencialidade enorme que a criança tem de querer conhecer, de aprender, de inventar coisas diferentes. Aí está então o que eu quero dizer com a pesquisa como princípio de todo o trajeto educativo. É claro que a pesquisa como princípio científico, da pessoa que está fazendo Ph.D., é muito diferente das pesquisas da pessoa que está na graduação e da criança que está no ensino fundamental, mas, se a gente aproxima a pesquisa como cultivo do saber pensar, ela deve estar em todos os atos educativos, seja da menor criança, seja da pessoa mais adulta.

O que o senhor quer dizer ao afirmar que, na educação reconstrutiva, a qualidade política deve prevalecer sobre a qualidade formal?

Pedro Demo - Eu acho qualidade formal muito importante. Não estou dizendo com isso que ela é secundária, muito pelo contrário. As crianças precisam saber matemática, ciências, português, mas ainda mais importante é saber o que fazer com isso na vida, como interferir na sociedade, como mudar os seus rumos, como superar a condição de massa de manobra, como tomar o seu destino na mão, como fazer uma proposta. Isso é muito importante. Aí está o papel fundamental da educação e do professor que sabe provocar essa reação na criança, uma reação de sujeito, não de objeto.

O senhor faz uma distinção entre competência e conhecimento. Como a educação reconstrutiva se posiciona diante dessa dicotomia?

Pedro Demo - Acho que não deve ser uma dicotomia, são coisas que convivem dialeticamente. Eu vejo a competência técnica como instrumental. O fim das coisas é a competência ética, política, quer dizer, formar uma sociedade mais participativa, onde todos têm mais chances, onde os horizontes sejam compartilhados. Mas para termos boas condições de intervenção política é muitíssimo importante manejar o conhecimento adequadamente.

Ainda sobre o tema da competência, uma pressão que a escola sofre é a cobrança para que os alunos saiam de lá instrumentalizados, isto é, sabendo fazer. Que opinião o senhor tem a esse respeito?

Pedro Demo - O saber pensar inclui sempre o saber intervir. Nós temos que recuperar um pouco a proximidade entre teoria e prática. Acontece que as escolas e universidades chamam de formação apenas o discurso teórico e incluem em seus currículos apenas uma pequena parte prática, chamada estágio ou coisa do gênero, extremamente desproporcional. É preciso saber colocar a prática já no primeiro semestre. Eu acho que essa expectativa é muito importante. Os alunos deveriam ter nas escolas a possibilidade de aplicar o conhecimento sem cair no utilitarismo. A melhor coisa para uma teoria é uma boa prática. E a prática que não volta para a teoria envelhece e fica caduca.

Mas como diminuir essa distância?

Pedro Demo - Nós temos uma tradição universitária de separar as duas coisas. Quando nós vamos estudar num campus, nós ficamos quatro anos longe da cidade, da vida, do trabalho para estudar. Acho que isso vai mudar muito no futuro, inclusive por causa da aprendizagem virtual. A gente não estuda só em certos momentos, em certas horas, em certos espaços, mas estuda a toda hora, durante a vida toda, com toda a parafernália disponível, sobretudo a eletrônica. Mas isso vai demandar uma reforma curricular muito mais radical do que nós estamos imaginando, hoje chamada Parâmetros Curriculares.

Um de seus últimos livros publicados trata da teleducação. Que papel têm as novas tecnologias nessa reforma radical a que o senhor se refere?

Pedro Demo - Primeiro, uma coisa que quero crer que esteja garantida é que o futuro da educação está na teleducação. Vai ser muito difícil no futuro fazermos qualquer proposta educacional que não seja em parte virtual. Não apenas virtual, isso seria um erro. Mas também não vai dar para fazer educação apenas com presença física. O grande dilema, hoje muito pouco resolvido, é introduzir na teleducação uma real aprendizagem. As pessoas precisam aprender, não apenas ser informadas. Vou dar o exemplo da teleconferência. Se a gente olhar bem, ela é uma aula, não é nada mais que uma aula, muitas vezes expositiva. Agora, tem coisas bonitas, porque dá uma grande chance de participação num grande espaço. Você pode conhecer gente interessante, fazer perguntas, mas, se a gente lembrar que aprendizagem exige pesquisa e elaboração própria, então continua sendo uma aula. A teleconferência é um bom instrumento supletivo, é uma boa proposta de disseminação de conhecimento, mas não substitui, em hipótese nenhuma, a aprendizagem

Isso me faz pensar em outro conceito que o senhor trabalha, de que a aula não é o centro da aprendizagem. As novas tecnologias estão decretando o fim das aulas expositivas e abrindo espaço aos debates, às discussões?

Pedro Demo - É, não precisa brigar com a aula, porque ela vai recuando naturalmente à medida que a eletrônica assume o espaço da informação. Transmitir conhecimento é uma coisa muito importante para a sociedade, mas o mundo eletrônico faz isso com mais graça, com mais disponibilidade que o professor. Daí não segue que o professor não seja importante. Ele é absolutamente indispensável para a aprendizagem do aluno, para a formação reconstrutiva, política do aluno. Por isso, a aula vai recuar. Eu até posso dizer que ela não vai desaparecer, mas vai ser cada vez mais um componente supletivo do processo de aprendizagem. É impossível colocar a aula no centro da aprendizagem.

Um dos exemplos que o senhor dá para desmistificar a importância da aula é o livro O Mundo de Sofia, de Jostein Gaardner. Por que um livro como esse consegue instigar o aluno a aprender e a aula expositiva não?

Pedro Demo - Nós podemos trabalhar muito melhor também só com textos. Geralmente, no Brasil, só se faz fichar livros, o que não tem nada de reconstrutivo. E O Mundo de Sofia mostra bem como um professor "escondido" motiva, provoca a criança. Ela se desespera, trabalha, dá duro, aprende muita coisa sem que o livro tenha uma aula, uma prova, e é uma aprendizagem soberba. Então, a escola tem que cuidar da aprendizagem e não dos apoios que os professores acham importantes, em particular ficar “escondido” atrás da aula. O professor de matemática tem o compromisso de fazer o aluno aprender matemática. O primeiro compromisso dele é garantir que o aluno aprenda matemática. Ele não pode ficar satisfeito, realizado, se os alunos não aprenderem. Dar aula é fácil, é só despejar conhecimento, às vezes apenas copiado. Mas fazer um aluno aprender é a grande arte do professor.


O senhor comentou anteriormente que o mundo eletrônico transmite informações com mais graça. Como o senhor vê o papel da motivação na aprendizagem?

Pedro Demo - Eu penso que é preciso, de todos os modos, motivar os alunos para a elaboração própria, para buscar a informação, para tomar a iniciativa. Porque se a gente tiver um ensino apenas passivo, como é usual hoje, as crianças não se preparam direito para a vida, pois não conseguem enfrentar coisas novas. Ao mesmo tempo, torna-se injusto com as novas gerações, que têm uma percepção muito maior pela imagem do que nós, da velha geração, que gostamos do texto. A nova geração se sentiria muito mais respeitada se pudesse construir o conhecimento através do texto, como é típico do mundo virtual. Então, os professores precisam se preparar para isso. Certamente os professores mais velhos terão mais dificuldade, mas nunca é tarde para aprender, e acho que a educação sempre teve diante de si esse desafio de aprender coisas novas. Não vai ser agora que nós vamos falhar nisso. Temos que dar conta das motivações que a nova geração prefere.

O senhor considera que saber ler as imagens, compreender a função que elas ocupam na transmissão do saber é uma área do conhecimento já desenvolvida, ou ainda há muito que fazer nesse campo?

Pedro Demo - O mundo da informática, como o do cinema, está trazendo isso. Nós temos uma história do cinema com mais de cem anos. Mas a academia não aceita a imagem como argumento. E nós deveríamos nos abrir a isso. Quando o texto chegou na história da humanidade, ele também foi taxado de intruso, de coisa esquisita, e hoje ninguém mais acha estranho fazer um texto, um livro. Então nós não podemos estar fechados a essa nova perspectiva. Eu estou dizendo que é preciso saber pensar não só com texto. A nova geração possivelmente prefere pensar através de imagens. Isso ajudaria muito a escola, e o trajeto da formação em qualquer nível traria maior motivação e maior atualização. 


Vitor Casimiro
Exclusivo para o Educaciona

Fonte: http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0035.asp

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